quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

A Hora Absurda


O teu silêncio é uma nau com tôdas as velas pandas...
Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso...
E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraiso...

Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte...
O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...
Minha idéia de ti é um cadáver que o mar traz à praia..., e
entanto
Tu és a tela irreal em que erro em côr a minha arte...

Abre tôdas as portas e que o vento varra a idéia
Que temos de que um fumo perfuma de ócio os salões...
Minha alma é uma caverna enchida p'la maré cheia,
E a minha idéia de te sonhar uma caravana de histriões...

Chove ouro baço, mas não no lá-fora...É em mim...Sou a Hora,
E a Hora é de assombros e tôda ela escombros dela...
Na minha atenção há uma viúva pobre que nunca chora...
No meu céu interior nunca houve uma única estrela...

Hoje o céu é pesado como a idéia de nunca chegar a um pôrto...
A chuva miúda é vazia...A Hora sabe a ter sido...
Não haver qualquer coisa como leitos para as naus!...Absorto
Em se alhear de si, teu olhar é uma praga sem sentido...

Tôdas as minhas horas são feitas de jaspe negro,
Minhas ânsias tôdas talhadas num mármore que não há,
Não é alegria nem dor esta dor com que me alegro,
E a minha bondade inversa não é nem boa nem má...

Os feixes dos lictores abriram-se à beira dos caminhos...
Os pendões das vitórias medievais nem chegaram às cruzadas...
Puseram in-fólios úteis entre as pedras das barricadas...
E a erva cresceu nas vias férreas com viços daninhos...

Ah, como esta hora é velha!... E tôdas as naus partiram!
Na praia só um cabo morto e uns restos de vela falam
De longe, das horas do Sul, de onde os nossos sonhos tiram
Aquela angústia de sonhar mais que até para si calam...

O palácio está em ruínas... Dói ver no parque o abandono
Da fonte sem repuxo... Ninguém ergue o olhar da estrada
E sente saudade de si ante aquêle lugar-outono...
Esta paisagem é um manuscrito com a frase mais bela cortada...

A doida partiu todos os candelabros glabros,
Sujou de humano o lago com cartas rasgadas, muitas...
E a minha alma é aquela luz que não mais haverá nos
candelabros...
E que querem ao lago aziago minhas ânsias, brisas fortuitas?...

Por que me aflijo e me enfermo?...Deitam-se nuas ao luar
Tôdas as ninfas... Veio o sol e já tinham partido...
O teu silêncio que me embala é a idéia de naufragar,
E a idéia de a tua voz soar a lira dum Apolo fingido...

Já não há caudas de pavões tôdas olhos nos jardins de outrora...
As próprias sombras estão mais tristes...Ainda
Há rastros de vestes de aias (parece) no chão, e ainda chora
Um como que eco de passos pela alamêda que eis finda...

Todos os ocasos fundiram-se na minha alma...
As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios...
Secou em teu olhar a idéia de te julgares calma,
E eu ver isso em ti é um pôrto sem navios...

Ergueram-se a um tempo todos os remos...pelo ouro das searas
Passou uma saudade de não serem o mar...Em frente
Ao meu trono de alheamento há gestos com pedras raras...
Minha alma é uma lâmpada que se apagou e ainda está quente...

Ah, e o teu silêncio é um perfil de píncaro ao sol!
Tôdas as princesas sentiram o seio oprimido...
Da última janela do castelo só um girassol
Se vê, e o sonhar que há outros põe brumas no nosso sentido...

Sermos, e não sermos mais!... Ó leões nascidos na jaula!...
Repique de sinos para além, no Outro Vale... Perto?...
Arde o colégio e uma criança ficou fechada na aula...
Por que não há de ser o Norte e Sul?... O que está descoberto?...

E eu deliro... De repente pauso no que penso...Fito-te...
E o teu silêncio é uma cegueira minha...Fito-te e sonho...
Há coisas rubras e cobras no modo como medito-te,
E a tua idéia sabe à lembrança de um sabor de medonho...

Para que não ter por ti desprêzo? Por que não perdê-lo?...
Ah, deixa que eu te ignore...O teu silêncio é um leque ---
Um leque fechado, um leque que aberto seria tão belo, tão belo,
Mas mais belo é não o abrir, para que a Hora não peque...

Gelaram tôdas as mãos cruzadas sôbre todos os peitos....
Murcharam mais flôres do que as que havia no jardim...
O meu amar-te é uma catedral de silêncio eleitos,
E os meus sonhos uma escada sem princípio mas com fim...

Alguém vai entrar pela porta...Sente-se o ar sorrir...
Tecedeiras viúvas gozam as mortalhas de virgens que tecem...
Ah, o teu tédio é uma estátua de uma mulher que há de vir,
O perfume que os crisântemos teriam, se o tivessem...

É preciso destruir o propósito de tôdas as pontes,
Vestir de alheamento as paisagens de tôdas as terras,
Endireitar à fôrça a curva dos horizontes,
E gemer por ter de viver, como um ruído brusco de serras...

Há tão pouca gente que ame as paisagens que não existem!...
Saber que continuará a haver o mesmo mundo amanhã --- como

nos desalegra!...
Que o meu ouvir o teu silêncio não seja nuvens que atristem
O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tédio, auréola negra...

Suave, como ter mãe e irmãs, a tarde rica desce...
Não chove já, e o vasto céu é um grande sorriso imperfeito...
A minha consciência de ter consciência de ti é uma prece,
E o meu saber-te a sorrir é uma flor murcha a meu peito...

Ah, se fôssemos duas figuras num longínquo vitral!...
Ah, se fôssemos as duas côres de uma bandeira de glória!...
Estátua acéfala posta a um canto, poeirenta pia batismal,
Pendão de vencidos tendo escrito ao centro êste lema --- Vitória!

O que é que me tortura?... Se até a tua face calma
Só me enche de tédios e de ópios de ócios medonhos...
Não sei...Eu sou um doido que estranha a sua própria alma...
Eu fui amado em efígie num país para além dos sonhos...

4-7-1913


Pessoa

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

plastic spill furry



it's true... it helps to take the extra effort.
Matt Furie

www.fecalface.com

O erotismo ou a dialetica do prazer (1)



Não existe prazer que não esteja em busca da sua coerência. A sua interrupção, a sua não satisfação provoca um distúrbio semelhante à estase de que fala Reich. Os mecanismos opressivos do poder mantém os seres humanos em um estado de crise permanente. O prazer e a angústia nascidos de uma ausência têm portanto essencialmente uma função social. O erotismo é o desenvolvimento das paixões que se tornam unitárias, um jogo sobre unidade e multiplicidade, sem o qual não existe coerência revolucionária (“O tédio é sempre contra-revolucionário” – Internationale Situationniste, nº 3).


Wilhelm Reich atribuiu a maioria dos comportamentos neuróticos aos distúrbios do orgasmo, àquilo que ele chama de “impotência orgástica”. Segundo ele, a angústia surge da incapacidade de ter um orgasmo completo, surge de uma descarga sexual que não consegue liquidar totalmente toda a excitação mobilizada pela atividade sexual preliminar (carícias, jogos eróticos, sedução...). A teoria reichiana considera que a energia acumulada e não gasta se torna flutuante e se transforma em angústia. A angústia por sua vez impede um orgasmo completo futuro.


Ora, o problema das tensões e da sua liquidação não se coloca apenas no plano da sexualidade, ele caracteriza todas as relações humanas. Mesmo que Reich o tenha pressentido, ele não mostrou de modo suficiente que a crise social atual é também uma crise de tipo orgástico. Se “a fonte de energia da neurose se encontra na disparidade entre a acumulação e a descarga de energia sexual”, parece-me que a fonte de energia das nossas neuroses se encontra também na disparidade entre a acumulação e a descarga de energia posta em ação nas relações humanas. O gozo total é ainda possível no momento do amor, mas assim que nos esforçamos em prolongar esse momento, em lhe dar uma extensão social, não se escapa àquilo a que Reich chama de “estase”. O mundo do deficitário e do incompleto é o mundo da crise permamente. Como seria então uma sociedade sem neurose? Seria uma festa permanente, com o prazer como único guia.


“Tudo é feminino naquilo que se ama”, escreveu La Mettrie (2). “ O domínio do amorsó reconhece como limites os do prazer”. Mas o próprio prazer em geral não reconhece limites. O prazer que não aumenta desaparece. A repetição o mata, ele não se acomoda com o fragmentário. O princípio do prazer é inseparável da totalidade.


O erotismo é o prazer que procura sua própria coerência. É o movimento das paixões na direção da intercomunicação, da interdependência e da unidade. O problema é recriar na vida social as condições do gozo perfeito no momento do amor. Condições que permitam o jogo com a unidade e a multiplicidade, ou seja, a livre e transparente participação na busca da realização.


Freud define a finalidade de Eros como a unificação ou a busca da união. Mas, quando pretende que o medo de ser separado e expulso do grupo provém da angústia da castração, ele vê de modo invertido. É a angústia da castração que provém do medo de ser excluído, e não o inverso. Essa angústia aumenta à medida que o isolamento dos indivíduos na ilusão comunitária se torna cada vez mais difícil de ignorar.

Embora busque unificação, Eros é essencialmente narcisista, apaixonado por si mesmo. Deseja um universo para amar como ama a si próprio. Norman Brown (3) assinala esta contradição em Eros e Thanatos. Como é que uma orientação narcisista, pergunta ele, poderia conduzir à união com os seres no mundo? Ele responde: “A antinomia abstrata do Ego e do Outro no amor pode ser vencida se regressarmos à realidade concreta do prazer e à definição da sexualidade como essencialmente a atividade prazerosa do corpo, e se considerarmos o amor como a relação entre o ego e as fontes do prazer”. Mas seria ainda necessário acrescentar: a fonte do prazer está menos no corpo que em uma possibilidade de expansão no mundo. A realidade concreta do prazer deve-se à liberdade de unir-se a todos os seres que permitam que a pessoa se uma consigo mesma. A realização do prazer passa pelo prazer da realização; o prazer da comunicação, pela comunicação do prazer; a participação no prazer, pelo prazer da participação. É nisso que o narcisismo voltado para o exterior, de que fala Brown, implica uma subversão total das estruturas sociais.

Quanto mais o prazer cresce em intensidade, mais reivindica a totalidade do mundo. É por isso que me agrada saudar como um slogan revolucionário a exortação de Breton: “Amantes, dêem um ao outro cada vez mais um prazer maior!”

A civilização ocidental é uma civilização do trabalho e, como diz Diógenes (4): “O amor é a ocupação dos preguiçosos”. Com o desaparecimento gradual do trabalho forçado, o amor é chamado a reconquistar o terreno perdido. E isso não deixa de trazer perigo para todas as formas de autoridade. Por ser unitário, o erotismo implica a liberdade da multiplicidade. Não existe melhor propaganda para a liberdade do que a serena liberdade de gozar. É por isso que o prazer é na maior parte do tempo confinado à clandestinidade, o amor, em um quarto, a criatividade, debaixo da escada da cultura, o álcool e a droga, à sombra das leis etc.

A moral da sobrevivência condenou a diversidade dos prazeres e sua unidade-na-multiplicidade em proveito da repetição. Se o prazer-angústia se satisfaz com o repetitivo, o verdadeiro prazer por sua vez só ocorre com a diversidade na unidade. O modelo mais simples é o casal axial. Os dois parceiros vivem as suas experiências numa transparência e numa liberdade tão completas quanto possível. Essa cumplicidade irradiante tem o encanto das relações incestuosas. A multiplicidade das experiências vividas em comum fundamenta entre os parceiros um laço de irmão e irmã. Os grandes amores têm sempre alguma coisa de incestuoso: um fato que sugere que o amor entre irmãos e irmãs é privilegiado a princípio, e deveria ser favorecido. Já é tempo desse velho e ridículo tabu ser quebrado, e um processo de “sororização” ser posto em andamento: ter uma esposa-irmã cujas amigas sejam minhas esposas e minhas irmãs.

No erotismo, a única perversão é a negação do prazer, é a falsificação do prazer-angústia. Que importa a fonte desde que a água corra? Como os chineses dizem: imóveis um no outro, o prazer nos arrasta.

Finalmente a busca do prazer é a melhor garantia do lúdico. Ele salvaguarda a participação autêntica, protegendo-a contra o sacrifício, a coação, a mentira. Os diferentes graus de intensidade do prazer definem o domínio da subjetividade sobre o mundo. Assim, o capricho é o jogo do desejo em estado nascente; o desejo, o jogo da paixão nascente. E o jogo da paixão encontra a coerência na poesia da revolução.

Isso quer dizer que a busca do prazer exclui o desprazer? Não exatamente, mas o desprazer ganha um novo significado. O prazer-angústia não é nem um prazer nem um desprazer, mas um modo de se coçar que irrita ainda mais. O que é então o desprazer autêntico? Um revés no jogo do desejo e da paixão: um desprazer positivo que chama com um grau correspondente de paixão um outro prazer a construir.

1. Parte 5 do capítulo XXIII, “A Tríade Unitária: Realização, Comunicação, Participação”, do livro A Arte de Viver Para as Novas Gerações, de Raoul Vaneigem (Nota do Rizoma)

2. Julien Offray de La Mettrie (1709-1751), médico e filósofo francês. (Nota do Tradutor)

3. Norman O. Brown foi um importante filósofo e pensador norte-americano muito influente no anos 1960 e 1970, por suas idéias libertárias sobre o prazer que, juntamente com as de Herbert Marcuse (com as quais, de certa forma, rivalizava), viriam a ser fundamentais para a contracultura. Autor de Vida contra a Morte e O Corpo e o Amor.(N. do Rizoma)

4. Filósofo cínico que viveu no século IV ª C. em Atenas e Corinto. (N. do Trad.)

Fonte: Vaneigem, Raoul. A Arte de Viver Para as Novas Gerações. São Paulo, Conrad Livros, 2002, pp. 266-269.



Raoul Vaneigem



fonte: rizoma.net

Walking Around


Sucede que me canso de ser hombre.
Sucede que entro en las sastrerías y en los cines
marchito, impenetrable, como un cisne de fieltro
Navegando en un agua de origen y ceniza.

El olor de las peluquerías me hace llorar a gritos.
Sólo quiero un descanso de piedras o de lana,
sólo quiero no ver establecimientos ni jardines,
ni mercaderías, ni anteojos, ni ascensores.

Sucede que me canso de mis pies y mis uñas
y mi pelo y mi sombra.
Sucede que me canso de ser hombre.

Sin embargo sería delicioso
asustar a un notario con un lirio cortado
o dar muerte a una monja con un golpe de oreja.
Sería bello
ir por las calles con un cuchillo verde
y dando gritos hasta morir de frío

No quiero seguir siendo raíz en las tinieblas,
vacilante, extendido, tiritando de sueño,
hacia abajo, en las tapias mojadas de la tierra,
absorbiendo y pensando, comiendo cada día.

No quiero para mí tantas desgracias.
No quiero continuar de raíz y de tumba,
de subterráneo solo, de bodega con muertos
ateridos, muriéndome de pena.

Por eso el día lunes arde como el petróleo
cuando me ve llegar con mi cara de cárcel,
y aúlla en su transcurso como una rueda herida,
y da pasos de sangre caliente hacia la noche.

Y me empuja a ciertos rincones, a ciertas casas húmedas,
a hospitales donde los huesos salen por la ventana,
a ciertas zapaterías con olor a vinagre,
a calles espantosas como grietas.

Hay pájaros de color de azufre y horribles intestinos
colgando de las puertas de las casas que odio,
hay dentaduras olvidadas en una cafetera,
hay espejos
que debieran haber llorado de vergüenza y espanto,
hay paraguas en todas partes, y venenos, y ombligos.
Yo paseo con calma, con ojos, con zapatos,
con furia, con olvido,
paso, cruzo oficinas y tiendas de ortopedia,
y patios donde hay ropas colgadas de un alambre:
calzoncillos, toallas y camisas que lloran
lentas lágrimas sucias.


Pablo




Acontece que me canso de ser homem.
Acontece que entro nas alfaiatarias e nos cinemas
abatido, impenetrável, como um cisne de feltro
vogando numa água de orizem e de cinza.

O cheiro das barbearias faz-me gritar em lágrimas.
Eu só quero um descanso de pedras ou de lã,
eu só quero não ver as lojas e os jardins,
mercadorias, óculos, ascensores.

Acontece que me canso destes pés, destas unhas,
e do cabelo e da sombra.
Acontece que me canso de ser homem.

E no entanto seria delicioso
assustar um notário com um livro cortado
ou dar morte a uma freira com um soco no ouvido.
Seria lindo
ir pela rua com uma faca verde
e aos gritos até morrer de frio.

Não quero continuar a ser raiz nas trevas,
vacilante, estendido, tiritando de sono,
para baixo, nas tripas molhadas da terra,
absorvendo e pensando, comendo dia após dia.

Não quero para mim tanta desgraça.
Não quero continuar raiz e sepultura,
subterrâneo solitário e adega com mortos,
transido, morrendo de desgosto.

Por isso a segunda feira arde como o petróleo
quando me vê chegar com esta cara de cárcere
e uiva no seu decurso como roda ferida,
e dá passos de sangue quente em direcção à noite.

E empurra-me para certos cantos, certas casas húmidas
para os hospitais onde os ossos saem pela janela,
para certas sapatarias que cheiram a vinagre,
para ruas espantosas como fendas.

Há pássaros cor de enxofre com horríveis intestinos
pendentes da entrada das casas que eu odeio,
há dentaduras esquecidas numa cafeteira,
há espelhos
que deviam ter chorado de vergonha e de espanto,
há guarda chuvas em todo o lado, e veneno, e umbigos.

Eu passeio com calma, com olhos, com sapatos,
com fúria, com esquecimento,
passo, atravesso escritórios e centros ortopédicos,
e pátios onde há roupa a secar num arame:
cuecas, toalhas e camisas que choram
lentas lágrimas sujas.


(tradução de Fernando Assis Pacheco)

sonha



marcos leandro

estar sendo

temo-O agora e contando-te, tremo. não contes a ninguém o que te escrevo.

hilda

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

bolo bolo



leia na íntegra em
http://correcotia.com/bolobolo/index.html

Cidadezinha qualquer


Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.

Carlos

img_patrícia woll
www.cronopios.com.br/cronopinhos/portfolio

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

da vez que partiu


tudo começou quando a narrativa se desfez. não sabia de métricas nem felicitações elementares, mas sobreteve todas as suas dúvidas e perguntou: não é uma falácia! si, si, non era assin que diziam nos tempos de crisântemos floridos? não diria.. que si que non, era assin que ia debruçando algores. e de seus aceitares aliciados, restouse apenas o buraco. assin obscuro, assin torpe, assin morrentemente ácidos caminhos de então. fezse que cruzava púrpura as trevas da obsolecência. mas não tinha nada que pudesse encontrar lá dentro, este é correctamente o maior acerto. passouse assin a vida lavando suas roupas naquela água suja das calçadas. e non havia escrito os pés na pia quando chegaste? maldita educação francesa. non era tão pouco afeita a estilos de épocas transvindas, mas deveria dizer: não estava convicta de nem quando, entanto sabia que un dia estariam todos reunidos novamente na altar das paredes a dizerem amorosidades. só havia quebrado tudo novamente. sim, o homem chega, olha e rumina. depois desembucha qualquer ditto monossilábico e se vê: não esperava. quanto às palavras, saemse todas de seus lugares a dizerem impropérios amenos. que tanta falta fizeramnos quando chegamos aqui, non? pois que vakas tu, quando partires ao céu. nissin.si sieito.si e non havia memorizado muito suas pertinências. que, pois, teria a dizer se os lugares são só outonos. e se as silábicas já desfizeramse. pouco importava para os que passavam. que chegasse o tempo que o sol de indo, continua aqui. desfechos de finais cedidos, de loucuras suprimidas e poucos cabelos restaram. pois é que tem dormido muito cedo e comido ao meio dia. dizen também algo daqueles cigarrinhos que transbordavam sonhos, mas nunca desfezse. e anda como nadasse e assin sucessivamente nas ebulições que bem te calam. gostaria de chorar lágrimas menos azedas, si si. que os olhos estan cheios de pequenas tragédias. e não enxergase mais as salamandras de amanhã. deixa então que te guie e que teus passos floreçam. mas sem deus. que deus já foi há tempos.

assin


jaz q aqui dentro sinto o calor,um calor outro,pois com o tempo,e mais uma virada q me impacta,estou fora do calor de todo.mas,non q desconhesso,pois o q conhesso agora eh uma outra ladeira,uma outra dobra de onde aprendi a ser-me.q me deu as varandas a absorver e querer sentir o q eh ser-se.a terceira pessoa do singular,de unicidade,insubstituivel,voce,vc,ce.

muamua_marcos leandro

Salve nana



o maestro moacir santos

terça-feira, 2 de janeiro de 2007

O homem sem braço


O homem sem braço morreu. Levou um tiro que veio do espaço. Sempre imaginou que morreria de tempo. Mas não, mataram o coitado. Ele não pôde evitar. Não se despediu do mundo, nem pensou em olhá-lo melhor - com olhos de morto: não agradeceu a ninguém, não se arrependeu de nada, nem mesmo preparou seu enterro. De repente, e naquele segundo mesmo, morreu. As pessoas continuaram andando, os compassos não foram interrompidos.
O fato é que temos um sujeito indeterminado. Completamente indeterminado sob a perspectiva de todos os envolvidos no caso. Inclusive, e principalmente, sob a do morto. O homem sem braço não olhou a cara de seu assassino.
Seria uma demente desvairada vingando a traição de um marido cansado? Um comerciante clandestino, avisando a chegada de sua mercadoria clandestina ao seu clandestino lugar de destino? Ou um de nossos dedicados policiais exercendo aquilo que mais o fascina no santo ofício do abuso de autoridade? Seria uma águia-mãe protegendo um de seus filhotes da violência bêbada de um pai descontrolado? Simplesmente uma queima de arquivo?
Não se sabe quem foi. E até que encontremos um culpado, este permanece indeterminado. Escondido sob a sua carapuça. Bala perdida, para efeito de comodidade e protocolo.
É por isso que permanece aqui, nessa gaveta apertada, mergulhado em sua indigência. Ninguém virá visitá-lo. Não procurarão saber do homem. Ele permanecerá intacto até que resolvam investigar suas entranhas. É para isso que servem os mortos que não têm ninguém. Como os braços são anatomicamente equivalentes, a presença de um compensa a falta do outro. Os jovens futuros médicos disputarão seu único membro superior, dissecá-lo-ão e o fotografarão.
E é certo que nunca determinaremos o sujeito. Ele nunca saberá que matou um homem sem braço que até gostava de viver. Saía pelas ruas, manco de seu braço que faltava não se sabe porquê, e ria para as pessoas como se as conhecesse. Tinha uma longa história a saber, bonita história que eu não conheço. Que está pedida agora no espaço, como as inúmeras outras balas perdidas, soltas e sem direção que andam pelas existências alheias.
Morreu de repente. Alguém deu um tiro que se perdeu no espaço e achou o homem sem braço.

Oda a la luz marina


Otra vez, espaciosa luz marina cayendo de los cántaros del cielo, subiendo de la espuma, de la arena, luz agitada sobre la extensión del oceáno, como un combate de cuchillos y relámpagos, luz de la sal caliente, luz del cielo elevado como torre del mar sobre las aguas.

Donde estan las tristezas?

El pecho se abre convertido en rama, la luz sacude en nuestro corazón sus amapolas, brillan en el día las cosas puras, las piedras visitadas por la orla, los fragmentos vencidos de botellas, vidrios del agua, suaves, alisados por sus dedos de estrella.

Brillan los cuerpos de los hombres salobres, de las mujeres verdes, de los niños como algas, como peces que saltan en el cielo, y cuando una ventana clasurada, un traje, un monte oscuro, se atreven a competir manchando la brancura, llega la claridad a borbotones, la luz extiende sus mangueras y ataca insolente sombra con brazos blancos,
con manteles,
con talco y olas de oro,
con estupienda espuma,
con caros de azucena

Poderío de la luz madurando en el espacio, ola que nos trapasa sín mojarnos, cadera del universo, rosa renacedora, renacida:
abre cada día tus pétalas, tus párpados, que la velocidad de tu pureza extienda nuestros ojos y nos enseñe a ver
ola por ola, el mar
y flor a flor, la tierra

Pablo

História de amor


Talvez essa seja a história de amor mais triste que eu conheço.
21 de setembro de 1951.
Aquele dia amanheceu como nenhum outro. Cinza, úmido, de uma tristeza inigualável. A chuva ainda não havia parado quando começaram as contrações. Não era a hora ainda, não podia ser. Mas a criança parecia não agüentar mais. Queria porque queria vir ao mundo, e assim foi: às exatamente 13 horas e 13 minutos escutamos o primeiro dos muitos acessos de choro que se sucederiam.
Jaime nasceu no dia errado. O pai não estava em casa. A vó, doente, continuava preza em sua cama. E a tia, aquela mal amada não calou a boca um instante sequer: de casa à maternidade o que fez foi resmungar e resmungar.
Assim, por insistência, nasceu. E foi crescendo pelos cantos, com grandes olhos mareados, como se fossem derramar à qualquer meia palavra. Na escola ia bem, mas não perguntava. Um dia chamaram a mãe para conversar. A essa altura já havia parado de chorar: substituiu o choro pelo silêncio e seguiu crescendo. Não tinha amigos, sequer inimigos. “O que há de errado com o meu menino?”. A professora não sabia. Era isso, afinal, o que queria saber.
Também me incomodava a boca cerrada. Não conseguia enxergar o que ia além de seu belo rosto em tom pastel. Correr o risco de me perder em seus olhos? Nunca tive coragem. Jaime tinha olhos de peixe. Profundos, mórbidos e – meu Deus! – indiscretos. Pareciam mergulhar nas águas mais profundas da existência alheia e arrancar de lá uma coleção de medos e fraquezas, de pensamentos secretamente guardados, e inconsciências, sujeiras, erros cometidos no passado: tudo o que com muito custo se enterra e se esquece. Eram esses mesmo os olhos de Jaime.
A mãe um dia quis saber: “O que acontece com você?” Mas o menino apenas olhou. E seu olhar disse algo tão grave que a mãe até se arrepiou. E, se arrepiando, chorou. Sob o risco de cair em abismo tão profundo, nunca mais ousou tentar descobrir o que se passava.
Resolveram, num acordo silencioso de olhares vazios, que Jaime seria apenas um apêndice. Assim não teriam que se preocupar com o quão insignificante era a sua prórpia existência e a vida passaria bem. O problema é que ele continuava olhando. Se fosse apenas uma sombra que habitasse os cantos da casa, ou se ficasse trancado em seu quarto como se não existisse mesmo, tudo bem. Eles nem o veriam com seus olhos. Acontece que não. O garoto resolveu habitar a sala-de-estar, como uma grande árvore da qual caem as folhas de agosto. E a sabedoria popular – que imperava mais uma vez – já havia alertado: “apêndices só servem para inflamar”. Jaime não os deixava em paz.
Era difícil, mas evitavam passar pela sala. Se não houvesse outro jeito, passavam. Mas desviavam o olhar. Um dia, não me lembro qual, só me lembro que de sol, Jaime chegou do colégio e foi direto para o quarto. E de lá não saiu nem para almoçar. E lá permaneceu durante três dias seguidos. A mãe já ia tomar providência, mas aí chamaram Jaime na porta: Jaaaaaaime!!!
Era voz de menina.
“Uma menina chamando Jaime na porta!”: todos se olharam boquiabertos. “O que fazer?”.
Não foi preciso. Jaime saiu do quarto e, lentamente, foi até a porta. Nós o acompanhamos com o olhar sem conseguirmos disfarçar o interesse - e suávamos frio. Quando abriu a porta, uma menina surgiu. Branca, com olhos calmos de louça, se aproximou sem dizer palavra. Chegou bem perto de Jaime e o abraçou eternamente.
Ninguém sabia o que fazer. Sair, ficar, convidá-la a entrar. Somente os dois, “anjos de uma asa só”, é que sabiam, e ficaram ali na porta. O mundo deu três voltas e então eles acordaram. A menina recuou um passo e se pôs a olhar fixamente para os olhos de Jaime. (Mal sabia ela que o que fazia era uma cirurgia no apêndice inflamado daquela família.) Outro passo e mais outro e a menina já não estava mais lá. Foi-se embora levando os olhos de Jaime com ela.
Choveu muito nos próximos dias. E nos outros também. O Jaime foi para a janela e por lá ficou, esperando. Mas a menina não voltou. E Jaime não olhou mais. Ficou assim, sem olhar, de um jeito que nem incomodar, incomodava. Por todo o sempre, a mesma figura vazia. Barba grande, unhas grandes, os cabelos não mais lavados, sempre dentro do quarto.
A mãe morreu. A vó, enfim, morreu. E o pai, caminhoneiro, perdeu-se no mundo. A tia já tinha ido embora: casou-se com um coitado que deve se arrepender até hoje do momento em que, aos pés de Deus-Nosso-Senhor, acabou dizendo Sim. Devia estar bêbado... E eu, que nem tinha para onde ir, eu fui ficando. Mas era estranho passar pela sala e não ter em quê(m) se esbarrar. Faltava alguma coisa – alguém – ali no meio. Joguei uma daquelas mesinhas redondas, acreditando que pudesse preencher o oco que se pintou, mas não adiantou. Dessa vez os velhos não tinham razão: a vida sem apêndice não é a mesma coisa.
Um dia, enfim, me chamaram para sair por aí. E eu, que sempre achei que nunca tive nada, eu fui. Num dia de chuva deixei que me levassem embora. Quando voltei, muito tempo depois, o que encontrei foram folhas secas sobre o chão. As janelas estavam fechadas, Jaime não estava lá.
Meu coração ficou pequeno de repente. Então eu sentei ali na porta e deixei que a memória me contasse essa história de amor. Talvez, a mais triste que conheço.
Ninguém amou o Jaime. Todos nós preferimos não encontrar o tesouro que havia guardado por trás de seus longos sílios. Passávamos por ele todos os dias, mas preferíamos não vê-lo, tanto medo tínhamos de nos vermos dentro dos seus olhos. Penso hoje que talvez não houvesse nada de tão obscuro dentro das suas retinas, além do amor que lá esperava, dormindo.

Dedicatória do autor


Pois que dedico esta coisa aí ao antigo Schumann e sua doce Clara que são hoje ossos, ai de vós. Dedico-me à cor rubra muito escarlate como meu sangue de homem em plena idade e portanto dedico-me a meu sangue. Dedico-me sobretudo aos gnomos, anões, sifíldes e ninfas que me habitam a vida. Dedico-me à saudade de minha antiga pobreza, quando tudo era mais sóbrio e digno e eu nunca havia comido Lagosta. Dedico-me à tempestade de Beethoven. À vibração das cores neutras de Bach. A Chopin que me amolece os ossos. A Stravisnky que me espantou e com quem voei em fogo. À "Morte e Transfiguração", em que Richard Strauss me revela um destino? Sobretudo dedico-me às vésperas de hoje e a hoje, ao transparente véu de Debussy, a Marlos Nobre, a Prokofiev, a Carl Orff, a Schönberg, aos dodecafônicos, aos gritos rascantes dos eletrônicos - a todos esses que em mim atingiram zonas assustadoramente inesperadas, todos esses profetas do presente e que a mim me vaticinaram a mim mesmo a ponto de eu nesse instante explodir em: eu. Esse eu que é vós pois não agüento ser apenas mim, preciso dos outros para me manter de pé, tão tonto que sou, eu enviesado..


Clarisse

Momento Humano










img: Leandro Monteiro
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