quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Das estrelas pela janela


Ao Caio, eternamente Fernando, e ao Branco dos meus olhos

Da noite

Ontem a surpreendi sorrindo eternamente. É certo que ele estava ao seu lado, - pois tudo já estava assim tão morno e calmo - estavam de mãos dadas e - porque estavam sempre juntos nesses momentos leves e graciosos - deitados na cama. Fitavam a tarde que se esvaía pela janela, e aguardavam a chegada da noite. O dia todo a tão esperada noite negra azul marinho a silhueta dos galhos da grande árvore de folhas pequeninas as miúdas luzes começando a piscar os sons do inesperado que agora cantava mais alto, e suas mãos dadas: eternamente. A noite era todo o mundo ao seu redor.
As noites assim azuis pareciam um livro para histórias de amor.

Da árvore

A árvore era sempre a primeira gigante que avistava quando ia se deitar. Única no inteiro do céu, entre os limites da madeira velha e já quase nua pela tinta branca descascando nas arestas da janela. Os braços da árvore, a árvore balançando, as pequenas folhas da árvore. Sem querer, errando pelos seus galhos, às vezes se achava confundida com a árvore, balançando lentamente os seus finos braços ao vento, lenta e tristemente, fria e lentamente.

Das estrelas

Sua luz confusa, brilhando e apagando, como das vezes que se sentia repentinamente tomada por enxurradas de alegria, incontidas, eufóricas, devastadoras, que subiam levando consigo os pelinhos do braço um quentume pelas veias do pescoço a cara erguida aos céus o coração quase explodindo meu deus! e, de repente, queda em abismo eterna melancolia faróis apagados longes lá longe sem conseguir mais alcançar. Quase os olhos parados do cão feliz. Para onde viajavam? Partiram? Secaram? Murcharam? A boca cerrada e o queixo ereto sobre as patas cruzadas, o ouvido tapado de um jeito que não escutava mais, e um buraco nos olhos: perturbador. Mas aí alguém sem querer chutava uma garrafa de coca por vezes largada no quintal e então alguns sininhos trimilicavam lá dentro de suas grandes compridas orelhas de cão e embalavam os saltos quase em câmara lenta de seu grande corpo desengonçado e então ele renascia, para morrer novamente alguns minutos mais tarde. As estrelas também morriam e voltavam a viver, e às vezes se escondiam, ou se iam apagando até quase morrerem novamente. Ela procurava-as assim, até erguendo o pescoço, como se quisesse entrar no dentro da tela azul marinho, e mergulhasse na escuridão do céu noturno.

Dos gnomos

Embriagada, penetrava o escuro da noite escura. Olhar fixo lendo os mínimos sinais no pedaço do céu que era só seu. E então, como se já não fosse tudo belo e suficiente, havia aqueles sons, suaves melodias de xilofones que estava sempre a escutar nessas horas. Dificilmente se mostravam, para sempre repentinos, subitamente aparecidos, mas sabia que eram gnomos a encantar a noite lá fora. Quando iam-se embora, ou não conseguia escutá-los, ou quando os espantava sem saber, era hora de libertar do grande auto-falante aqueles sons de vozes de lá longe, onde nem saberia apontar, e de assisti-los bailando pelo ar “...clareia minha vida, amor, no olhar...”(1) Ah! Os olhos. Olhos às vezes azuis azuis, outras vezes esverdeados, e tantas vezes cinzas cinzentos e tristes olhos. Gostava do triste de seus olhos, mas achava que preferia das vezes que eram verde-azulados, ou azul-esverdeados. Gostava de vê-los, enfim, brilhantes.
Água límpida e cristalina de riacho.

Dos vaga-lumes

Se, então, olhasse bem, mas sem precisar comprimir os olhos e enrugar as marcas da testa, se olhasse bem profunda e silenciosamente, certamente conseguiria alcançar os pequeninos donos das belas vozes da noite, que surgiam a brilhar, iluminando-a. Era como daquelas vezes, quando piscava longamente os olhos e, mantendo-os por segundos fechados, imaginava a próxima cena: levando os personagens para fora, ou a sorrirem languidamente, ou a chorarem desesperadamente, ou a encontrarem qualquer amigo que há muito não viam, ou a voarem conforme o vento dissesse, ou – e de repente, abertos os olhos, perceber que eles tinham apenas caminhado uns poucos passos adiante. Seus olhos procuravam aflitos, tentando apostar onde é que apareceriam, segundos mais tarde, aquelas luzinhas. E de repente, lá estavam, quase indo-se pelos galhos mais altos da árvore, lá em cima, quando as tinha imaginado cá embaixo, perto já dos seus dedos querendo agarra-las para saber do que afinal eram feitas.

Da chuva

Mas havia dias que chovia, e então ela precisava esperar até tarde para vê-los todos, depois que o céu já tivesse suas cortinas abertas e as nuvens alaranjadas já tivessem ido embora. Eram sempre imprevistas as sensações das noites de chuva. Serenas e aconchegantes, porque lavadas e renovadas - todas as casas, ruas, gentes, ânimos - e enchidas de outros ventos, e porque dessas vezes estava suspensa no ar a certeza de que o céu não tardaria a brilhar novamente. Angustiantes e vazias, porque frias e eternamente em falta.Tempos de compridas esperas, quando as estrelas do céu ficavam encobertas por muitos e longos tempos doídos, e mudos.

Do vento

Dessas vezes, os cabelos voando ao som do vento, leve aceitação, de coisa que não pode nunca ser mudada, era hora de pedir silenciosa, que fosse contar ao Branco, que lhe contasse “vai lá e conta pra ele” que eu estou esperando ele sempre sempre, pra sempre, e que os dias estão escuros noite inteira e que eu tento buscá-lo mas ele está mais longe tão longe e mesmo assim,

Dos sonhos

“eu continuo pensando coisas boas pra você”.
Deitada na cama a olhar para o céu sem estrelas, só depois entendia que a luz que então procurava era, enfim, o ponto onde se encontravam seus olhares, nós estendidos no largo espaço do céu, pedaço de terra segura, terra firme, por mais longe estivessem, onde sabia alcança-lo, porque algo dizia que de lá ele tinha também seus olhos submersos nessa dimensão onde ninguém mais se perdia. Não estando lá, não podendo ser alcançadas luz expandida no escuro da noite, deitada no vazio do céu, as estrelas precisavam ser transportadas, encurraladas na vastidão das lembranças já mornas de todos os dias, e embriagadas em belos sonhos de dormir. Então entendia que não havia mais nada no céu “irreconhecível me procuro lenta nos teus escuros...”(2) e que hoje tudo só poderia ser breu. Achava assim que poderia ser hora de ir dormir, pois o vento era fresco pela janela, e o som era calmo na noite calma. E, como a casa inteira dormia, talvez fosse a hora de abraçá-los todos com muito carinho, e desejar-lhes uma boa noite, a eles e ao mundo, uma boa noite de sonhos contentes de pessoas se encontrando e vivendo sensações novas e imprevistas. Era bom sentir tudo isso em suspensão todas as noites antes de dormir. Por isso pensava as melhores histórias nessa hora, e achava sempre que os sonhos seriam o final que não tinha conseguido escrever antes de deixar-se levar pelo sono bom desses dias chuvosos.

Da Lua

Mas às vezes ela era toda lua, porque saudosa do Sol, brilhante entidade iluminada, iluminante. Quando a lua se aproximava, ela corria pedir pras estrelas irem contar pro Sol, que lhe contassem que ela o esperava, e que o amava de um jeito que não conseguia alcançar. Porque tinha medo da lua. Na realidade, acho que tinha medo de si mesma, Lua. Lua pálida, vazia. Lua eternamente à espera. Lua sempre, e apesar do céu e estrelas, sempre só. Então evitava olhar-se no espelho. Evitava afundar-se na sua penumbra, e descobrir-se. Mas era pega sempre de surpresa, porque se andava distraída então, e a lua deu por aparecer ainda bem cedo por essas bandas. Mal o relógio apontava as seis, e lá estava ela, indiscreta, seguindo-a com seus olhos parados e profundos.
Diziam que São Jorge Guerreiro morava lá dentro, e junto com o Dragão! Mas não acreditava, porque assim a lua tinha que ser bem vermelha, porque assim era o Velho Ogum de Ronda Ogum Sete Ondas Ogum Iara, cavalo correndo, espada reluzindo, e porque não acreditava que eles pudessem viver assim, tudo branco e na santa paz. Acho que foi por isso que outro dia a surpreendi fitando longamente a lua. Talvez tentasse enxergar qualquer duelo sangrento que viesse a tingi-la inteira de vermelho. E então as noites seriam mais candentes ainda, porque a gira da paixão, rodopiando em seu vestido vermelho, percorreria livre[mente os corredores das sensações aprisionadas? Na realidade, não foi essa a única vez que a tinha surpreendido assim, de olhos pregados lá no alto. Acho até que gostasse, lá no fundo, de perder-se nos olhos calcinados da Lua, e que, enfim, tinha piedade. Afinal, não eram assim irmãs gêmeas, desmoronadas, caindo-se de amores pela estrela maior brilhante leão iluminado amarelo fogo clarificado chama ouro aceso intenso queimadura, enfim, Sol.

Dos passos pela rua até as estrelas pela janela

Era noite alta quando a avistei andando com ar distante no meio da rua. Levantou seus olhos como que percebendo meus passos, levantou os olhos como que me reconhecendo, mas, me olhando, sequer me viu. Não se afetou, e nem mesmo reduziu o passo, como uma promessa, tão logo se perdendo na névoa cinzenta da noite. Tão inesperadamente branca dentro de seu paletó, tão opaca dentro da sua solidão, passos curtos, mas levemente pesados. A sua leveza ali em prantos. Fácil perceber o choro engolido pelos seus verdes olhos, profundos como um daqueles poços onde caíram seus muitos sonhos inconclusos. Voltava para casa, cansada já dos poucos minutos que tinha estado naquele furdunço: milhares de pessoas anônimas reunidas sob o pretexto da festa. Sentia que não celebravam mais nada, a não ser a sua suposta liberdade de poder se encher de viagens e dormir quando o sol já tivesse chegado. Acho que ela está cada vez mais lúcida. Terrivelmente lúcida, em verdade. Faz um tempo a vi correndo e chorando no meio da noite. E desde então, nunca mais soube de um riso daqueles cintilantes seu.
Mas me contaram tê-la visto a andar rindo lindamente pela rua, como se estivesse ouvindo uma daquelas histórias encantadas que sempre a fizeram tão feliz. Disseram que seus olhos brilhavam muito, e imaginei que fosse assim como das vezes que era criança, e brincava com os peixinhos no céu do quarto. Mas depois falaram que parecia chapada. E como vi aquele branco calado com quem estava andando ultimamente sentado na porta de casa olhando para o nada, um pouco depois de tê-la surpreendido a correr em prantos (...)
Tinha os visto pelas calçadas da cidade num dia ensolarado há algum tempo. Não consigo me lembrar exatamente dele, porque tive meus sentidos inundados pelo do semblante dela. Estava bela como nunca fora, e alva como jamais havia sido. Os olhos mais verdes, a boca mais vermelha, as bochechas coloridas, os cabelos bem, por vezes mais sedosos, as unhas cuidadas. Só depois realizei que era ele o grande culpado pelo seu desenterro “...Lá fora, amor, uma rosa nasceu, nosso barco partiu, uma estrela caiu...” (3). Então havia pulado a janela e agarrado o tempo que passava levando com ele a vida inteira, olhos ainda cheios de lágrimas, mas dizendo um sim ainda sem muita certeza, de qualquer forma estranhamente sentindo que talvez fosse ele: “Foram precisos muitos acasos, muitas coincidências surpreendentes (e talvez muitas procuras), para eu encontrar a imagem que, entre mil, convém ao meu desejo. Eis um grande enigma do qual não tenho a solução: por que desejo Esse? Por que o desejo por tanto tempo, languidamente?...”(4) Ela também nem se apercebeu de quando aconteceu, e até tentou impedir, mas em pouco já estava completamente perdida no claro dos olhos do Branco, profundos e calmos como nunca tinha visto. “... Que porção, talvez incrivelmente pequena, que acidente? O corte de uma unha, um dente um pouquinho quebrado obliquamente, uma mecha, uma maneira de fumar afastando os dedos para falar? (... seu semblante tão suavemente adormecido mas ainda assim suficiente e elevado, o azul cor de céu dos olhos que acabavam de acordar, o jeito de morder a boca dizendo que queria, o cabelinho da sabedoria plantado na orelha direita, o ombros arqueados quando estava um tanto sem jeito, as milhares de idéias pintadas no olhar, todos os sambas e histórias, todas a falas convictas e autênticas na voz às vezes morna às vezes seca às vezes escorregadia ...?) De todos esses relevos do corpo tenho vontade de dizer que são adoráveis. Adorável quer dizer: este é meu desejo, tanto que único: (...).”(5)
Os dias, então, foram sempre de sol, por mais torrencial a chuva que caísse. Dia e noite: claro brilhante de sol, morno aconchegante de sol, quente ardente de sol. Em seus braços, Sol. Totalmente subvertidos, Lua e Sol. Noites girando em torno de si mesmas. Eterno eclipse.
Assim: projetos cotidianos de vidas longas compartilhadas crianças correndo pela sala esforços somados para a felicidade de dias coloridos e cheios de riso incontido. Sutis tímidas imprecisas declarações de amor, escondidas nos olhares furtivos, na mão que se segura uma à outra, na cumplicidade das revelações. Os olhos de um, os olhos do outro.
Então: como se fosse uma daquelas estrelas, assim mesmo repentinamente, ele parou de brilhar, numa fração de segundo incapturável. Vaga-lume que pisca e nunca mais volta à luz. Cão feliz eternamente envenenado. E o Sol foi se pondo, opaco e triste, como nunca havia sequer imaginado que pudesse ser, apesar do cinza com o qual vinha se colorindo. A cabeça girando, milhões de idéias. “... Tudo para o gigante parece pequeno. Todas essas pequenas enfermidades, esses pequenos ridículos...” (6) Parado diante da superficialidade, do domínio do ego, da gratuidade da defesa e da ofensa galopantes, e sentindo um grande peso, a vida cada vez mais doída “... e de lá de outra óptica... só de lá para se dizer” (7): o Sol aos poucos voltando à sua órbita.
Silêncio cerrado Olhos que se desviam Medo de encostar Longos compridos tristes abraços. Idéias que se perdem no dentro do ontem, do hoje, do amanhã. E a Lua estremecendo de frio. Longes, lá longe, se perdendo novamente dentro do breu da noite.
E mesmo quando surpreendidos pela mais surpreendente das casualidades: eternos anjos caídos, caiados, entristecidos. Como antes na canção, “não sei se é melhor pra mim você aqui” (8): não estava bem para ficar com ninguém agora. À sua frente, duas mãos abertas, trêmulas, lhe oferecendo seu coração arrancado do peito de repente, e sangrando. Mesmo assim. Olhando no fundo dos seus olhos, como se quisesse encontrar algum mínimo sinal, um rastro de sim escondido lá no dentro, lá no denso, ou uma daquelas luzinhas que acendiam sem querer quando menos esperava, sem que sequer lhe pedisse, e que crescia crescia até quase se queimarem um no outro. Mas não viu nada, eterno abismo dentro das lentes de vidro que se tornaram o claro dos seus belos olhos cor de água límpida e cristalina de riacho.

No dia que ele apareceu, depois, bem depois, e entenderam que não poderiam mais falar sobre o que ia de verdade, e conversaram constrangidamente sobre o que poderiam dizer, e quando ele resolveu, enfim, que era hora de ir embora, e quando ela disse que se ele quisesse voltar, e se quisesse aparecer, e se quisesse vir almoçar qualquer dia desses, como se aqueles fossem ainda os velhos tempos, e ele disse que se pá, que talvez, que tinha ainda que, mas se der, e ela realizou que aqueles não eram mais os velhos e bons tempos, e que os abraços nunca mais seriam compridos como daqueles de antes, e disse então que “eu não te espero mais!”, assim mesmo, com exclamação no final, e com um olhar estranhamente sóbrio e convicto que ela mesmo, na hora e tempos e tempos depois, estranhou porque, pensando bem, nunca tinha pensado aquilo antes. Achou difícil como tirar um espinho do dedo do pé, e depois se arrepender porque daquele jeito estava um tanto melhor. Doía muito entender que, mesmo levemente transcorridos, os dias eram vazios como nunca foram, apesar das milhares de pessoas da sua vida. Se deixasse esquecer, “Para que não ter por ti desprezo? Porque não perdê-lo?... Ah, deixa que eu te ignore...”(9), sempre, mesmo assim, ele estaria ali, como uma remota passagem, que quase se confundia com um sonho cheio de nuvens que tivesse tido em uma noite de chuva qualquer.
Realizou, então, que não poderia apagá-lo. Não poderia amarrá-lo sacrificá-lo degolá-lo e jogá-lo fora para sempre, porque sempre brilho, “The world forgetting, by the world forgot. Eternal sunshine of the spotless mind!” (10). Assim sendo, decidiu que o melhor seria carregá-lo consigo para os momentos mais felizes de sua vida. Até porque, ele não acreditava, mas amava a sua companhia! Passou, então, a redescobrí-lo escondido nas pequenas alegrias de todos os dias, que assim estariam sempre juntos, redesenhados. E aqueles passaram a ser os sorrisos mais vivos e brilhantes que já deu.
E, mesmo sabendo que havia muitas lembranças de sol também, era da noite que mais gostava, porque era à noite mesmo que mais se fundiam um no outro, e porque desde sempre, aquela era a melhor hora de todas. Sua voz cheiro olhos, e seu toque, sua intensa máscula digna forte branca ereta presença. Estava sempre roçando nos pelinhos loiros de seu braço cheio de veias quando se deitavam na cama à espera das estrelas da noite do céu. Claro esguio suave, daquele jeito mesmo dos sonhos de todas as noites, de quando não se lembrava, mas que pareciam agora tão íntimos, e próximos, tão esquecidamente reais que poderia dizer que já tinham sido todos aqui na vida, um eterno dejavú, sempre sensação de ter pegadosentidoouvidovisitado.
Os dias eram vazios porque continham tudo aquilo projetado e só faltava ele. Ele de carne. Ele de osso. Ele e suas belas idéias. Ele e sua inabalável convicção. Ele branco, ele quente, ele inteiro, ele perfeitamente encaixado no meu tosco, mas tantas vezes redesenhado esboço, às vezes morno, às vezes frio, e às vezes – meu deus! – enluquecida-insuportável-atormentadamente febril pulsante ardente as pernas se esfregando lentamente os pêlos se confundindo eretos as mãos peregrinando as partes há tempos esquecidas do corpo o abismo do quarto os quadris os dedos os mamilos tensos tensos, e quentes. Tudo em fogo debaixo do cobertor acéfalo e morto e frio e infinitamente distante da sua pele em chamas. Dessas vezes era ruim de sentir, e ela gemia ela chorava e clamava ofegante lágrimas confundidas o coração batendo acelerado angústia furando o peito, e ela se contorcendo em dor .........................................“um antídoto para a solidão!” e chorava chorava chorava até então dormir, porque os anjos vinham e balançavam-na em seus braços e a levavam para longe. Às vezes tinha sonhos de voar. Às vezes sonhos de chorar e soluçar. Às vezes sonhava de dia, já acordada. E tinha pesadelos acordada também. Então chamava desesperadamente os anjos para que eles viessem buscá-la, e que a balançassem até que dormisse. Os dias pareciam não passar, a noite e sua penumbra. Engasgada, o disco furado o céu cheio de nuvens, nenhuma estrela. Quase morria nesses dias. Olhos caídos no chão, fundos, e ela perambulando pelas ruas da noite. Quem a visse assim, acharia certamente que era assombração, tão transparente em sua dor.
Mas as lembranças, essas continuavam lá, e ela não poderia livrar-se delas porque não quis se livrar das boas. Então repetia sempre para si mesma que o que foi ruim não apaga o que foi bom, não apaga, não apaga. Deixa ele suspenso, pendurado na escada, balançando em vai e vem, pra sempre assim, até que derrubem de vez a casa, e o levem consigo, sufocado em seus destroços. Mas às vezes elas voavam. As angústias vinham cá pra cima e ficavam acordando as várias tristes lembranças de sempre, por vezes pensadas, e por vezes jogadas fora. Não quero mais pensar Não NÃO!!! NÃÃÃÃOOOO........ a negação de sempre, autopiedadefilhadaputadesempredódódódód´dod´dod´dod´dod dooooooííííí
Como o espinho que tivesse deixado e foi ficando e ficando e ficando pra sempre lá dentro até virar-se uma grande ferida cheia de pus branco viscoso misturado com sangue desejo paixão “funestaapariçãominhalmadefinhoucaninaassombraçãouotrastequehojesou”(11) chorachorachoraqueridadeixachorar........................................................................
morangos mofados engolidos a seco sem água sem leite sem saliva sem fluído sem nada nada de líquido a não ser pus de ferida que nunca fecha.
Mas esse era apenas o pesadelo.

* Por Carolina Monteiro, jornalista e membro da Incubadora de Cooperativas Populares Unesp/Bauru.

Notas:
(1)em “pois é”, de quatro, los hermanos, 2005;
(2)em “da morte”, de odes mínimas, hilda hilst;
(3)em “carolina”, de chico buarque;
(4)em “adorável”, de fragmentos de um discurso amoroso, roland barthes, francisco alves, 2001;
(5)em “adorável”, de fragmentos de um discurso amoroso, roland barthes, francisco alves, 2001;
(6)em “gigantes”, de leandro monteiro;
(7)em “gigantes”, de leandro monteiro;
(8)de josé ulpiano del piccia, drukes, 2004;
(9)em “hora absurda”, de ficções do interlúdio, fernando pessoa, cia da letras, 1998;
(10) em “eloisa to abelard”, de alexander pope;
(11) em “caindo em si”, de o outro mundo de manuela rosário, mundo livre sa, 2005;






www.cronopios.com.br _ junho/2006

ft: sereia/marcos leandro

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