sábado, 26 de janeiro de 2008

312


"Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos - a ansia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a amgia de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo. Todos estes meios tons da consciencia da alma criam em nós uma paisagem dolorida, um eterno sol-pôr do que somos. O sentirmo-nos é então um campo deserto a escurecer, triste de juncos ao pé de um rio sem barcos, negrejando claramente entre margens afastadas.
Não sei se estes sentimentos são uma loucura lenta do desconsolo, se são reminiscencias de qualquer outro mundo que houvessemos estado - reminiscencias cruzadas e misturadas, como coisas vistas em sonhos, absurdas na figura que vemos mas não na origem, se a soubessemos. Não sei se houve outros seres que fomos, cuja maior completidão sentimos hoje, na sombra que d'eles somos, de uma maneira incompleta - perdida a solidez e nós figurando-no-la mal nas só duas dimensões da sombra que vivemos.
Sei que estes pensamentos da emoção doem com raiva na alma. A impossibilidade de encontrar qualquer coisa que substitua aquela a que se abraçam em visão - tudo isso pesa como uma condenação dada não se sabe onde, ou por quem, ou porquê.
Mas o que fica de sentir tudo isso é com certeza um desgosto da vida e de todos os seus gstos, um cansaço antecipado dos desejos e de todos os seus modos, um desgosto anonimo de todos os sentimentos. Nestas horas de magua subtil, tornase-nos impossível, até em sonho, ser amante, ser heroe, ser feliz. Tudo isso está vazio, até na idea de que é. Tudo isso está dito em outra linguagem, para nós incompreensivel, meros sons de silabas sem forma no entendimento. A vida é ôca, a alma é ôca, o mundo é ôco. Todos os deuses morrem de uma morte maior que a morte. Tudo está mais vazio que o vacuo. É todo um caos de coisas nenhumas.
Se penso isto e olho, para ver se a realidade me mata a sêde, ejo casas inexpressivas, caras inexpressivas, gestos inexpressivos. Pedras, corpos, ideas - está tudo morto. Todos os movimentos são paragens, a mesma paragem todos eles. Nada me diz nada. Nada me é conhecido, não porque o estranhe mas porque não sei o que é. Pedeu-se o mundo. E no fundo da minha alma - como unica realidade deste momento - há uma magua intensa e invisivel, uma tristeza como o som de quem chora num quarto escuro."

Bernardo Soares

img: mondo guigui/livros do mal

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