quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

elogio à vagareza (para poucos)



eu sou O CARA QUE CHEGA PRA TOMAR CAFÉ BEM NO MEIO DA HORA DO ALMOÇO. mais do que querer um pão limpo numa chapa cheia de bifes medidos, ou a atenção de uma média clara e bem tirada do cara que está no modo servir um monte de sanduíches e salgados sórdidos pros apressadinhos, o que nos opõe é meu olhar de desprezo por quem ALMOÇA NA HORA DO ALMOÇO, porque (NÃO) ACORDOU NA HORA EM QUE TODO MUNDO (NÃO) ACORDA. de trás da minha média (razoável o suficiente para recriar a manhã), eu olho o mundo e essa cambada de almoçadores ao meio-dia não com pena, mas com raiva por eles serem assim tão lamentavelmente sincronizados, poluindo as ruinas onde moro com a FALÁCIA DE QUE O MUNDO AINDA NÃO ACABOU. e então estico a manhã mais ainda, até o meio da tarde, para começar o dia olhando o congestionamento zumbi, os ternos suados e os cérebros derretendo de cima. um citadino com cotidiano de camponês vive no pior de dois mundos, aquele onde se planta dinheiro e se colhe faustão (NÃO HAVIA UM ANTICRISTO MAIS EMOCIONANTE?), aquele que não serve pra nada. quando a muvuca acaba, e os primeiros humanos não-sincronizados começam a surgir, progressivamente mais barulhentos (putas, emos, policiais de elite), agradeço a MALUF por, em seu delírio, ter construído as ruínas onde habito e as que delineiam o horizonte, e finalmente penetro no paradoxo. (os sincronizados rolam na cama, preparando-se para o momento em que [não] acordarão e se arrastarão para fora de novo, de novo, de novo, de novo). EU ACARICIO OS PÉS DE UMA NIFETA EM SONHO. quando levanto, sorrindo, eu sou O CARA QUE CHEGA PRA TOMAR CAFÉ BEM NO MEIO DA HORA DO ALMOÇO. de trás da média (razoável o suficiente), eu esboço um meio sorriso. afinal sou bem sortudo, um daqueles que o supremo roteirista escolheu para escapar de ser zumbi neste filme.


por alex antunes

img: Les Cités Obscures, de Benoît Peeters e François Schuiten

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