quarta-feira, 17 de março de 2010

carta a um estranho


Para escrever para você, apago as luzes e abro a janela. Penso na escuridão, desejo algum vento soprando meu cabelo. Algo mais que uma imagem: a noite que se abre com a janela: seus olhos da cor marrom-escuro-quase-preto: seus olhos de japonês. Penso assim: um garoto japonês adorável-inalcançável. Mas desejo não pensar, a despeito dos resquícios: vozes, toques, cabelos: fragmentos do que fomos eu e você.
Você: erro pela folha do caderno algo como ‘HENRIQUE, COMO VAI VOCE?’, mas a letra de forma não me parece apropriada. Apago, retomo: 'Olá Henrique! Tudo bem com você?' Então acho ridículo começar com uma pergunta banal. Levanto, dou uma volta. Estou sozinha em casa. Encho um copo com água, quase me abandono na sala. Não ligo a TV. Volto para o quarto, os gatos estão se mordendo. No caderno, leio meias-palavras e me arrependo. Entre um gole e outro: cabelos, dedos, sardas, dentes. Escrevo reticências (...) Então penso alguma poesia, mas logo realizo: não devo poetizar. Sigo entre goles e lembranças e reticências...

1. todas as coisas miniaturas me lembram você 2. somos tão diferentes e ainda assim sinto saudades como se fossemos parecidos 3. acho seu rosto bonito 3.1 gosto do jeito que os olhos não combinam com o nariz 4. penso que você poderia morar no mesmo bairro que eu 4.1 quem sabe nos encontrássemos no mercado nalgum fim de tarde quente de outubro 5. me sinto à beira do ridículo 5.1 então me lembro de que esta não é uma carta de amor 5.2 isso não alivia o meu ridículo 5.3 (insisto) me recordo da pinta que você me deu 5.5 esqueço 6. olho pela janela e espero você passar 7. percebo que estou sendo incrivelmente ridícula e resolvo escrever um poema singelo.
Então, dedico:
“Henrique
se tivesse palavras, diria assim”
E cito:
“Eu sou dois seres.
O primeiro é fruto do amor de João e Alice
O segundo é letral:
É fruto de uma natureza que pensa por imagens,
Como diria Paul Valery
O primeiro está aqui de unha, roupa, chapéu e vaidades
O segundo está aqui em letras, sílabas, vaidades, frases
E aceitamos que você empregue o seu amor em nós”
Manuel de Barros, Poesias Rupestres

Finalmente, re-cito:
“Sou uma mulher de sentimento”

Escrito no dia 29 de outubro de 2009.
Passado a limpo no dia 16 de novembro de 2009.
Nunca enviado.

img: sarah mc'neil
http://www.flickr.com/photos/sarahmcneil/

2 comentários:

  1. sem tempo para ler agora, mais ja copie e joguei pro bloco de notas.. gosto do que vc escreve pequena... como estás?

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  2. ADOREI O TEXTO:

    CRIATIVO E MUITO INTELIGENTE.

    E FOGE UM POUCO DA MESMICE DAS POSTAGENS NOS BLOGS.

    NO MEU BLOG DE HUMOR, TAMBÉM PROCURO, INOVAR PARA CONTINUAR VIVO(RS)

    E A PROPÓSITO, ESTÁ A SUA DISPOSIÇÃO.

    VOLTAREI SEMPRE , POR AQUI.

    UM ABRAÇÃO CARIOCA E DESCULPE A CAIXA ALTA, MAS , QUANDO VÍ, JÁ ERA (RS).

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