sábado, 21 de junho de 2008

noite de nupcias

No apartamento, ela retira o vestido empoeirado de noiva, guardado desde os tempos em que projetava o futuro herdado dos pais nas brincadeiras de cozinha com as colegas de infância. Tasca um batom vermelho na boca, e a pele morena realça ainda mais o branco.

Um branco...

Mata o que sobrou do whisky da noite anterior e procura a porta daquele apartamento. Se enrosca numa gravata e rouba o paletó amarrotado para enfrentar a neve de anos. Com a boca pastosa por mais alguns goles, não encontra a porra da chave em lugar algum. Apalpa o corpo gelado e rígido de um homem no chão, sente o volume do molho no bolso da calça e sai. Relutante em frente ao corredor, volta. Abre o armário, pega um cobertor velho e separa o cadáver do piso frio.

Sentada no colo de um gordo siciliano, ela pede mais uma garrafa de vinho. Gira a cabeça pelo bar, entediada com aquela língua percorrendo seu corpo, e vê de longe um rosto familiar. Era o puto de um tio, que vem em sua direção, esquecido do passado, agarrando-a pela bunda. Ela empurra o sujeito com asco e pergunta num italiano arrastado de onde vinha. "Brasil". Numa decisão rápida, pega-o pelo braço, chama um táxi e, enquanto é mordida por aquelas mãos nervosas, olha atentamente, resgatando dos detalhes do rosto daquele homem uma parte da sua história.

No apartamento, ela retira o vestido empoeirado de noiva, guardado desde os tempos em que projetava o futuro herdado dos pais nas brincadeiras de cozinha com as colegas de infância. Tasca um batom vermelho na boca, e a pele morena realça ainda mais o branco.


Adriana Fricelli

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